No País dos Arquitectos é um podcast criado por Sara Nunes, responsável também pela produtora de filmes de arquitetura Building Pictures, que tem como objetivo conhecer os profissionais, os projetos e as histórias por trás da arquitetura portuguesa contemporânea de referência. Com pouco mais de 10 milhões de habitantes, Portugal é um país muito instigante em relação a este campo profissional, e sua produção arquitetônica não faz jus à escala populacional ou territorial.
No episódio desta semana, Sara conversa com os arquitetos Cristina Veríssimo e Diogo Burnay sobre o projeto da Residência Universitária do campus da Ajuda na Universidade de Lisboa. Ouça a entrevista e leia a transcrição da conversa, a seguir:
Entrevistas da série "No País dos Arquitectos":
- Carrilho da Graça
- João Mendes Ribeiro
- Inês Lobo
- Carlos Castanheira
- Tiago Saraiva
- Nuno Valentim
- Nuno Brandão Costa
Sara Nunes: Bem-vindos, Diogo e Cristina!
Diogo Burnay e Cristina Veríssimo: Olá, Sara!
SN: Ambos estudaram e deram aulas na Faculdade de Arquitectura na Universidade Técnica de Lisboa. Esta vossa experiência como alunos e professores desta universidade deu-vos pistas para desenvolverem este projecto da residência?
Cristina Veríssimo: Primeiro, quero dizer que eu sou um misto entre a escola do Porto e a escola de Lisboa. De qualquer maneira, nós ainda nos formámos no convento. Ainda somos da altura em que a escola era denominada como Belas-Artes e depois passou a ser Faculdade de Arquitectura. Penso que a nossa formação tem sempre uma excelência enorme, portanto é óbvio que aquilo que nós aprendemos quando é somado à experiência e à maturidade tem resultado e este será um dos resultados!
Diogo Burnay: Eu posso também referir que nós estivemos dez anos fora. Formámo-nos em Lisboa e estudamos no convento do Chiado. Quando voltámos passados dez anos, eu comecei a dar aulas na Faculdade de Arquitectura. Estávamos no ano de 1997 e comecei a dar aulas já no campus da Ajuda. Uma das coisas que sempre senti foi que o campus tinha uma certa falta de urbanidade. Para mim era curioso porque senti que estávamos em Lisboa e muitas pessoas, nomeadamente estudantes, costumavam referir que iam deslocar-se para Lisboa...
SN: Como se estivessem fora da cidade!
DB: Fora da cidade, exacto! Na realidade, a Faculdade de Arquitectura e, na altura, ainda em construção, a Faculdade de Medicina Veterinária estão no limite do que é considerado um aglomerado urbano e fazem frente para o Parque Florestal de Monsanto. Em todo o caso, a Faculdade de Arquitectura teve sempre uma vista generosa, exposta tanto para o rio, para o sul, como também para um conjunto de bairros característicos daquela área de Lisboa. A Universidade Técnica de Lisboa sempre teve intenções de ter um plano de urbanização do campus daquela zona. Havia, por exemplo, um plano para levar para lá a reitoria que nunca se concretizou. Já a Faculdade de Economia e de Gestão juntou-se mais tarde e a Faculdade de Motricidade Humana, na qual a única medida concretizada para o projecto foi o espaço do ginásio para actividades desportivas. Para além disso, havia há muito tempo um plano ou a intenção de um plano de edificar uma residência de estudantes. O projecto inicial, que já tinha sido discutido nos anos noventa, apontava para uma residência de estudantes numa outra localização.
Quando este concurso surgiu – num espaço de extrema proximidade com a Faculdade de Arquitectura, nomeadamente num espaço onde muitos de nós nos encontramos, que é o bar – apercebemo-nos que a parte do programa que era pretendida pela universidade era um programa bastante maciço, bastante denso com um volume de quartos muito considerável e que uma das relações bonitas que a esplanada do bar tinha para com o rio (face à localização desta residência) iria mudar completamente. Portanto, quando começámos a pensar na proposta, uma das primeiras coisas que quisemos sempre fazer foi ‘construir cidade’. Ou seja, alinhar a edificação da residência junto ao limite do lote para construir uma frente urbana. Procurámos também ter a entrada da residência junto a uma rua (que, neste momento, ainda é um beco sem saída) que dá acesso a algumas habitações de carácter mais social para que os percursos em torno deste novo edifício fossem não específicos à sua população. Isto é, que fossem mais generosos e mais inclusivos em relação à população que iria circular em torno deste edifício. Foi esta consciência da relação do bar, da escola com a vista, com o rio e as suas vizinhanças que nos pôs a pensar. Ou seja, foi a consciência do tecido social e arquitectónico deste contexto mais imediato que nos levou também a reflectir que tipo de Arquitectura e de construção construir. Do ponto de vista da definição da cidade nós estaríamos mais inclinados para explorar e propor.
SN: Quantos alunos é que esta residência alberga e que funções é que têm? (para além daquela que eu imagino que é a dos quartos dos alunos.)
DB: Tem cerca de 400 estudantes (se não estou equivocado). É preciso também referir que as tipologias dos quartos são variadas. Há quartos individuais, quartos duplos, quartos para pessoas com mobilidade condicionada e um conjunto de pequenos apartamentos T1 para estudantes mais velhos ou para aqueles que necessitam de trazer a sua família, enquanto vêm estudar para a Universidade de Lisboa. Para além destes quartos e destas variações do ponto de vista tipológico, existem em todos os pisos várias lavandarias, várias cozinhas, associadas a salas de convívio, onde as pessoas podem cozinhar e estar juntas. Existe, também, em cada piso várias salas de estudo, onde as pessoas podem sair do quarto e conversar como espaço de convívio. Esses espaços de convívio não estão em directa proximidade onde a cozinha se enquadra, tendo assim o objectivo de dispersar os diferentes modos de convívio entre estudantes.
Depois, ao nível do piso térreo existe uma sala de trabalho. Existe também uma sala de convívio e uma pequena cafetaria de maior dimensão. Depois há todo um programa de apoio da lavandaria e existem as casas de banho públicas. Como a residência passará a ser a casa dos estudantes durante os meses ou os anos que estão a estudar, as pessoas podem ali receber amigos. Um outro aspecto importante, que tem a ver com esta relação entre o espaço público e o espaço privado é que a residência (por preocupações da cidade de Lisboa) tem portões que permitem dar alguma segurança para os residentes do espaço. Existe um espaço de ligação entre a rua que está a uma cota mais baixa (que dá acesso a estas habitações sociais) e uma rua que está a uma cota mais alta (que dá acesso à cantina do campus universitário e à própria Faculdade de Arquitectura). Esse espaço público é um espaço desenhado com generosidade, onde as pessoas se podem sentar na escadaria. Há um pequeno jardim que permite também as pessoas aí permanecerem. E depois de vermos a configuração da residência percebemos que ela se encontra no quarteirão com um pequeno pátio, por isso há um espaço mais privado dedicado à comunidade que vive naquela residência. Trata-se de um pátio um pouco mais interiorizado, que permite também que o espaço seja usufruído pelas pessoas. Posso referir que a sala de convívio com maior dimensão, que está localizada no piso térreo também tem uma relação franca e aberta para com este pátio.
SN: Referiste há pouco que a importância deste edifício não estava apenas no facto de quererem fazer uma residência, mas também no facto de quererem ‘construir cidade’. Sabemos que estas residências universitárias promovem, de algum modo, a democratização do acesso ao ensino superior, pois permitem que os alunos tenham rendas mais baixas. Quando aceitaram o projecto tinham a percepção de que estavam a fazer muito mais do que um edifício? Ou seja, perceberam que estavam a intervir na possibilidade de mais alunos estudarem? Falem-nos sobre isso.
CV: Sim, isso é um ponto essencial para nós. O Diogo já falou desta integração das residências no pólo universitário. É preciso lembrar que estes serão os primeiros residentes daquele Pólo 2, portanto esta ideia de segurança, mas também ao mesmo tempo de pertença é importante. Tendo em conta isso, a primeira coisa que nós fizemos foi esta ideia de que não só a residência tem permeabilidade e visibilidade para o exterior, mas ao mesmo tempo tem um lado mais privado que é o pátio central e digamos que todo o funcionamento orgânico daquele edifício. Depois houve uma coisa que foi essencial para nós que prende-se com esta ideia de que o espaço em que os alunos se encontram é sempre um espaço de partilha e de conhecimento e várias estratégias foram feitas nesse sentido. Algumas delas já referimos, nomeadamente a distribuição do programa ao longo dos pisos. Simultaneamente, existe também esta ideia de que os quartos são eles próprios um espaço de partilha. Isto é, nós queríamos umas antecâmaras a partir do espaço de circulação. Essas antecâmaras foram estrategicamente localizadas relativamente ao corredor de modo a que se as portas se abrirem nessas antecâmaras elas de alguma forma criam um espaço entre quartos, e esse espaço pode ser também ele de partilha. Portanto, dependendo daquilo que os alunos querem, as circulações têm esta potencialidade: podem ser mais privadas ou podem criar bolsas de partilha. No outro dia cruzei-me com um aluno e perguntei-lhe se ele gostava de estar nesta residência universitária e ele disse que adorava esta ideia de as portas se abrirem e de falar com os colegas da frente. Esta é a parte principal. A outra coisa é aquilo que nós dissemos que é o contacto que eles vão tendo entre eles, mas ao mesmo tempo criar diversidade de partilha em vários pontos. Falámos do pátio, mas existe também a cobertura. A cobertura é a visão poema dos 360 graus porque criamos um espaço em que os alunos podem estar no exterior, mas numa posição que de alguma forma lhes proporciona um controlo sobre a paisagem porque é um dos ponto mais altos do Pólo 2 da Universidade de Lisboa.
SN: Uma coisa que eu acho muito curiosa é que nota-se no vosso trabalho uma preocupação muito grande com os detalhes. E quando digo detalhes, refiro-me não só aos detalhes de vivência que vão existir naqueles espaços, mas também ao nível da experimentação que fazem com a materialidade e a cor. Como é que trabalharam aqui a questão da materialidade, da cor e o que é que experimentaram neste projecto para além destes passos que já falaram?
CV: Este projecto é um projecto de contrastes e é muito curioso! Quando fomos visitar outras residências (que tivemos o gosto de fazer) percebemos que os materiais são para durar. Há muito esta ideia do que é o conforto e quando nós nos confrontamos com isso pensámos em criar quase um ninho dentro dos quartos. Ou seja, pensámos em criar zonas de conforto onde os alunos se encontrassem e trabalhassem, mas depois interrogamo-nos de como é que há o contraste nas zonas de corredor em que os tijolos à vista são menos confortáveis...
Por outro lado, questionámo-nos de como é que nós poderíamos voltar a introduzir a conjugação da cor com o material (que é uma coisa que nós já temos feito na nossa arquitectura). Mas também há aqui um interesse na introdução do material que de algum modo foi um diálogo com a Universidade de Lisboa e nesse diálogo falámos sobre a nossa vontade de introduzir cortiça a nível dos pavimentos. É uma investigação que eu estou a fazer há anos e sabia que a cortiça ali tinha várias vantagens não só ao nível da durabilidade, mas também na parte acústica e depois também na parte do pátio, pois assim eles andam descalços pelo quarto com o maior dos confortos. A universidade respondeu positivamente e houve, neste caso concreto, quase que uma exigência da nossa parte com uma consciência grande de que a cortiça poderia fazer a diferença. Portanto, nós aqui temos, por um lado, um material muito versátil no exterior que é o tijolo que se relaciona com o Pólo 2 da universidade e todo aquele material exterior; deslocamo-nos para o interior e temos novamente o tijolo e, de alguma maneira, esta capacidade que as coisas têm de responderem a uma durabilidade e, ao mesmo tempo, o facto de não criarem indiferença, até porque percorrem os espaços. Além disso, quando vamos aos quartos e aos espaços de permanência temos espaços que são confortáveis com uma boa luz e, de alguma forma, são um contraste entre uma coisa e a outra.
DB: Também queria acrescentar que uma das questões em torno de toda esta consciencialização social da Arquitectura é que, por exemplo, a escolha da cortiça está relacionada com estas questões de trabalharmos com um material natural. Falamos de um material que não é exclusivamente português, mas que existe em abundância em Portugal. O facto de trabalharmos com um material que produz impacto no ambiente – e esta é uma questão que esta nova geração de estudantes está muito mais atenta – faz com que as pessoas que estão nesses quartos consigam juntar diferentes sentidos com uma perspectiva ambientalista e sustentável da Arquitectura, inclusive na escolha dos materiais da arquitectura. Como a Cristina já tinha abordado falamos aqui de diferentes aspectos que estão relacionados com o conforto térmico, o conforto acústico e o conforto físico do ponto de vista táctil.
Outra coisa que eu também queria referir é que visitámos várias residências e sabemos que estas são construídas a custos absolutamente controlados e muito apertados (é preciso chamar a atenção para isto e Lisboa não é excepção). Uma das coisas que para nós foi um esforço considerável foi o facto de querermos ter as infraestruturas todas à vista. Isto era necessário porque é preciso ter facilidade de acesso nas infraestruturas para que qualquer problema possa ser resolvido o mais rapidamente possível. Por outro lado, o que nos preocupava também foi o estado de envelhecimento que nós vimos em muitas residências porque são espaços de habitação muito diversa e muito intensa. Um estudante tanto pode estar três meses, seis meses, um ano ou mais anos naquele espaço e uma das coisas que para nós era bastante importante era escolher um material que tivesse o mínimo desgaste possível. Nesta residência que construímos os tijolos dos corredores, por exemplo, são maciços e há pinturas só muito pontualmente no espaço comum de circulação. Isso para nós era importante porque pensámos que era crucial ter em perspectiva o modo como os edifícios envelhecem, o modo como os edifícios são mantidos e o esfoço que, obviamente, é necessário tendo em consideração que se tratam de edifícios com uma rotatividade de habitantes muito alta e é preciso que as pessoas se sintam bem, e se sintam em casa e consigam construir relações de afecto com estes espaços.
SN: Há uma preocupação grande com a durabilidade deste espaço, não é? De forma a que a residência fosse um investimento que perdurasse no futuro, não é?
DB: Sim!
CV: Sim, é essencial. E isto não só relativamente com a durabilidade, mas também com a eficiência dos espaços. Cada espaço foi pensado relativamente à sua proporção de modo a que com o mínimo possível conseguíssemos manter mais alunos, mas ao mesmo tempo queríamos que cada aluno conseguisse dentro do seu pequeno espaço ter conforto. Portanto, existe essa questão da durabilidade e também rentabilizar ao máximo algumas áreas.
SN: Uma das coisas que me inspira sempre que trabalho convosco é que ambos têm uma forma muito especial de colaborar. E, já agora, é preciso referir que é uma estreia neste podcast termos dois convidados em simultâneo. Sei que, além disso, envolvem bastante os vossos colaboradores. Falem-nos sobre a importância da colaboração no vosso trabalho.
DB: A Cristina e eu começámos o atelier mais ou menos em 2000. A Cristina, na altura foi estudar para Harvard e eu estava a dar aulas. Começámos o atelier de certa forma intuída e nunca falámos extensivamente sobre o modo como pensamos que iria ser. Sabíamos que tínhamos de ter uma estratégia de como é que o atelier ia ser para nós e para as novas gerações. Surgiu também, com enorme naturalidade, que o atelier teria de estar muito relacionado com o facto de nós os dois darmos aulas. Tinha de ser um atelier no qual fosse possível uma certa experimentação. E isto tendo em linha de conta as experiências para que esse fosse um lugar para as pessoas crescerem, no qual a conversa sobre a Arquitectura e sobre a relevância económica, política e social fosse possível e que permitisse um lugar de troca. Sempre tivemos um atelier partilhado com outras pessoas de outras áreas profissionais. Mesmo antes de abrirmos o atelier, muitas vezes trabalhávamos em concursos com pessoas ligadas à pintura, à literatura, ao cinema. Sempre nos encantou muito esta ideia de...
SN: Pluralidade, não é?
DB: Sim, a pluralidade entre muitas outras artes e profissões. O modo como nós trabalhámos com as pessoas tem essa preocupação de fazer do atelier o espaço da casa da nossa arquitectura. Ou seja, temos de perceber que nós estamos a trabalhar com pessoas que, na maioria, tinham sido nossos estudantes, pessoas que tinham uma certa vontade de aprender e que se destacaram como estudantes de arquitectura. Isto porque sentimos que tinham um certo fascínio e uma certa paixão, que era algo que partilhavam connosco. Além disso, era para nós também muito importante dar espaço para que as pessoas crescessem de encontro com os seus próprios valores. Obviamente que com a esperança de que os valores do atelier, as preocupações, os interesses e as curiosidades que tanto a Cristina e eu temos fossem coisas que enriquecessem e fossem também enriquecidas nestas múltiplas trocas.
Portanto, o atelier é para nós um espaço de criatividade, um espaço com olhar crítico e tinha também de ser conjugado com um espaço aberto à colaboração, aberto à participação, onde todas as pessoas tivessem a possibilidade de sentir que tudo o que é feito é um pedaço de todos nós.
CV: E existe também a questão de dar créditos. Por exemplo, este projecto é da CVDB Arquitectos com Rodolfo Reis e Joana Barrelas. No fundo, vamos sempre dando créditos àqueles colaboradores que, de alguma forma, se destacam. Isto é muito curioso porque não só estas colaborações fazem parte do que nós somos, mas ao mesmo tempo são essas mesmas colaborações que nos ajudam a crescer.
Curiosamente nós adoramos não só partilhar o que queremos entre nós dentro do atelier, mas também temos feito imensas parcerias com outros ateliers e, inclusive, com outros arquitectos. Penso que isto é sempre uma forma de nos colocarmos em causa, de nos questionarmos, de avançarmos e de vermos o trabalho a ser melhorado pelo facto de termos aprendido com outras experiências. Penso que a partilha é algo muito intrínseco naquilo que é o nosso trabalho e naquilo que queremos fazer na Arquitectura. O trabalho não é meu, não é do Diogo, o trabalho é nosso e esse trabalho recebe colaborações. Ainda hoje de manhã tivemos uma reunião e estávamos todos com dúvidas. De repente, juntámo-nos, fizemos uma reunião e resolvemos o assunto por todos. Um disse uma coisa, o outro acrescentou outra e nós já sabemos como é que trabalhamos... Resultou numa coisa que é de todos, o que é óptimo!
SN: O que é que vos ensinou o projecto de residência sobre a Arquitectura?
CV: A mim ensinou-me sobretudo (não sei o que é que o Diogo vai dizer)... mas há pouco perguntavas o que é que a nível de materiais nós experimentámos. O tijolo, por exemplo, tem sido um material que nos tem fascinado imenso. Nestas residências nós fizemos uma investigação profunda sobre a utilização do tijolo. Aquilo que nós sentimos é que de alguma maneira existe um hiato grande entre as potencialidades que este material tem e aquilo que depois a prática de construção permite alcançar. Neste contexto, penso que o que eu aprendi aqui é que existe uma potencialidade neste material, mas não podemos usufruir dessas potencialidades ao máximo porque ao nível das certificações da construção ficamos um pouco limitados. Aprendemos e para a próxima faremos melhor de certeza. Isto é o que eu acho. Não sei o que é que tu vais dizer, Diogo.
DB: É preciso ter em consideração que o projecto das residências para o campus da Ajuda é um projecto que nós ganhámos através de um concurso público. A partir daí, sabemos que estamos a trabalhar em concorrência com colegas nossos. Trata-se de um concurso sujeito ao anonimato, em que não sabemos quem são os concorrentes e logo aí sabemos que a primeira aprendizagem serve para clarificar ideias, por isso é que eu referi ao início aquele aspecto do ‘construir cidade’. Isto é, construir uma estratégia para um projecto que seja absolutamente clara e depois procurar responder com muito rigor (e algum vigor também) ao programa pretendido. Sobre a componente do habitar existem obviamente as questões relacionadas com a eficiência, a eficácia, o conforto e a resposta ao pretendido para cada quarto porque em cada quarto as pessoas trabalham, dormem e descansam.
E o quarto não é só um quarto com uma cama e um roupeiro. Tivemos de pensar, inclusive, no modo como articulávamos os quartos com as próprias casas de banho. Aqui a Cristina já referiu que existem estas portas duplas que se abrem e, de repente, o corredor ganha uma outra dimensão. Portanto, procurámos responder ao programa e quisemos trazer algo que transformasse a dimensão social do programa. Não são coisas que aprendemos exclusivamente com estas residências, mas uma vez que estamos a edificar um espaço onde muita gente vai viver – e falamos aqui de pessoas que não se conhecem – sabíamos que os corredores tinham essa dimensão de encontro. Qualificar os corredores foi algo que também quisemos estudar e aprender. Em relação ao trabalho, especificamente, uma das coisas que me lembro como aprendizagem foi o envolvimento da Universidade de Lisboa através dos múltiplos departamentos não só na questão da Gestão de Projectos, como na Acção Social e na manutenção dos espaços. Foi bastante divertido perceber que na própria Universidade de Lisboa havia um conjunto alargado de pessoas de uma equipa que pretendia acompanhar o desenvolvimento do projecto para que as opções dos materiais, das infraestruturas e da localização de uma série de equipamentos tivesse também em conta a perspectiva de quem tem depois a responsabilidade de continuar a dar vida ao edifício.
Do ponto de vista construtivo trabalhar com o tijolo (e a Cristina já referiu isto) foi um desafio bastante grande. A fachada da residência é uma fachada ventilada, há uma estrutura e toda ela é metálica que agarra o tijolo. O edifício tem cinco pisos, portanto do ponto de vista de uma fachada ventilada em tijolo já existe um certo desafio. Para além disso, o tijolo não está sempre a planar. Nós quisemos jogar com uma certa textura, aludindo quase a um carácter artesanal que gostaríamos que a fachada tivesse, pois há tijolos que vão ligeiramente para dentro e há tijolos que vão ligeiramente para fora. Portanto, todo este envolvimento que a entidade mais tarde forneceu, que foi um sistema de instalar toda a estrutura secundária da fachada de tijolo é óbvio que foi um aspecto que também teve a sua curva de aprendizagem. Este é um tema que nos preocupava bastante e que tem a ver com o facto de estarmos a trabalhar numa zona sísmica, por isso a fachada sendo ventilada teria de permitir e acomodar uma certa tolerância para movimentos que são sempre imprevistos.
SN: Diogo e Cristina, muito obrigada por esta conversa e por esta partilha que fizeram do vosso trabalho.
CV e DB: Obrigada e obrigado. Adoramos!
Nota do editor: A transcrição da entrevista foi disponibilizada por Sara Nunes e segue o antigo acordo ortográfico de Portugal.